Em MG, TJ isenta Souza Cruz de indenizar a família de um fumante que morreu de enfisema pulmonar. Os familiares pediam reparação por danos morais e materiais no valor de R$ 1,4 milhão.
Migalhas nº 1.991
Quantas mentiras nos contaram; foram tantas, que a gente bem cedo começa a acreditar e, ainda por cima, a se achar culpada por ser burra, incompetente e sem condições de fazer da vida uma sucessão devitórias e felicidades.
Uma das mentiras: É a que nós, mulheres, podemos conciliar perfeitamente as funções demãe, esposa, companheira e amante, e ainda por cima ter uma carreiraprofissional brilhante. É muito simples: não podemos.
Não podemos; quando você se dedica de corpo e alma a seu filho recém-nascido, que na hora certa de mamar dorme e que à noite, quando devia estar dormindo, chora com fome, não consegue estar bem sexy quando o marido chega, para cumprir um dos papéis considerados obrigatórios na trajetória de uma mulher moderna: a de amante.
Aliás, nem a de companheira; quem vai conseguir trocar uma idéia sobrea poluição da Baía de Guanabara se saiu do trabalho e passou no supermercado rapidinho para comprar uma massa e um molho já prontopara resolver o jantar, e ainda por cima está deprimida porque não teve tempo de fazer uma escova? Mas as revistas femininas estão aí, querendo convencer as mulheres - e os maridos - de que um peixinho com ervas no forno com uma batatinha cozida al dente, acompanhado por uma salada e um vinhozinho branco é facílimo de fazer - sem esquecer as flores e as velas acesas, claro, ecom isso o casamento continuar tendo aquele toque de glamour fun-da-men-tal para que dure por muitos e muitos anos.
Ah, quanta mentira! Outra grande, diz respeito à mulher que trabalha; não à que faz de conta que trabalha, mas à que trabalha mesmo. No começo, ela até tentase vestir no capricho, usar sapato de salto e estar sempre maquiada; mas cedo se vão as ilusões. Entre em qualquer local de trabalho pelas 4 da tarde e vai ver um bando de mulheres maltratadas, com o cabelo horrendo, a cara lavada, e sem um pingo do glamour - aquele - das executivas da Madison.
Dizem que o trabalho enobrece, o que pode até ser verdade. Mas eletambém envelhece, destrói e enruga a pele, e quando se percebe aguerra já está perdida. Não adianta: uma mulher glamourosa e pronta a fazer todos os charmes - aqueles que enlouquecem os homens - precisa, fundamentalmente, de duascoisas: tempo e dinheiro.
Tempo para hidratar os cabelos, lembrar de tomar seus 37 radicaislivres, tempo para ir à hidroginástica, para ter uma massagista tailandesa e um acupunturista que a relaxe; tempo para fazermusculação, alongamento, comprar uma sandália nova para o verão, fazer as unhas, depilação; e dinheiro para tudo isso e ainda para pagar uma excelente empregada - o que também custa dinheiro.
É muito interessante a imagem da mulher que depois do expediente vaiao toalete - um toalete cuja luz é insuportavelmente branca e fria, retoca a maquiagem, coloca os brincos, põe a meia preta que está na bolsa desde de manhã e vai, alegremente, para uma happy hour.
Aliás, se as empresas trocassem a iluminação de seus elevadores e de seus banheiros por lâmpadas âmbar, os índices de produtividade iriamao infinito; não há auto-estima feminina que resista quando elas se olham nos espelhos desses recintos.
Felizes são as mulheres que têm cinco minutos - só cinco - para decidir a roupa que vão usar no trabalho; na luta contra o relógio o uniforme termina sendo preto ou bege, para que tudo combine sem que umsó minuto seja perdido.
Mas tem as outras, com filhos já crescidos: essas, quando chegam emcasa, têm que conversar com as crianças, perguntar como foi o dia na escola, procurar entender por que elas estão agressivas, por que orendimento escolar está baixo.
E ainda tem as outras que, com ou sem filhos, ainda têm um namoradoque apronta, e sem o qual elas acham que não conseguem viver . Segundo um conhecedor da alma humana, só existem três coisas sem as quais não se pode viver: ar, água e pão.
Convenhamos que é difícil ser uma mulher de verdade; impossível, eu diria.Parabéns para quem consegue fingir tudo isso...
Danuza Leão
Um susto, uma paulada: Clash!! E a vida continua
Aí você vem vindo um dia pela rua achando que talvez não haja futuro mesmo, como diziam os Sex Pistols: "Nooooooooo fuuuuuuuture, noooooooo future for you". Ou que a tal da maturidade chega mesmo e seus ouvidos ficam mais grossos ou que esses samboleros de desencontros amorosos aí no rádio até que não são tão chatos assim ou que, caramba, às vezes é melhor pôr uns patins e comprar umas joelheiras rosadas e uns fones de ouvido pra ficar plugado na Rádio Cidade.
Aí você vem pela rua se perguntando aquelas jogadas tipo pra que ?, o que foi feito ?, como é que é ?, quem está sendo enganado ?, e vem pensando que não há mais nada, nada, nada, nada mesmo que faça seu coração bater mais depressa, ou que dê aquele gelado na boca do estômago ou que possa te acordar e, porra, te fazer sair dessa rua ou desse quarto ou te ponha dançando ou te dê coragem ou alegria ou, porra, esperança.
Aí você ouve: "Londres está chamando!!!!" (Londres ? Como ? Isso já não morreu ?)
"Londres está chamando o submundo / Saiam daí garotos e garotas / Londres está chamando / Não olhem para nós / Aquela beatlemania falsa já caiu por terra / Londres está chamando os imitadores / Esqueça isso irmão, faça as coisas do seu modo...."
A voz é verdadeira, é humana e tem raiva, desespero, gana de reagir. A bateria é implacável - o modo como ela rosna cá na frente, o modo como ela vira ponto de exclamação, grito. E há duas guitarras e um baixo, mas isso você demora um pouco mais a perceber porque ninguém está se exibindo e tudo soa como um único tecido vivo; negro, básico.
Alguma coisa saída da noite dos tempos de rock'n'roll. Do Delta, de Memphis, de Detroit, do bairro jamaicano de Londres. Alguma coisa muito primitiva e muito refinada, uma barricada sonora que você agora ouve melhor, tem tantos pequenos detalhes e contracantos e riffs, que tornam quase impossíveis não fazer os dedos dos pés mexerem e as mãos ficarem suadas e inquietas e (será mesmo ?) seu coração bater mais veloz.
Oh! Sim!!! É claro que você não é bobo. Você já ouviu muitas coisas boas ultimamente, ouviu bons discos de reggae que até te fizeram dançar e Tom Petty, Joe Jackson, Bram Tchaikovsky e coisas bem bonitas nessa linha que parece que sou uma crítica aí (aqui?) chamou de fundamentalismo rock'n'roll. Você sabe que há vida além do funk e até acha essas coisas todas muito boas e compra os discos.
Mas isto aqui é diferente. Há alguma coisa aqui. Uma espécie de raiva. Uma espécie de guerra. A convicção de um condenado à morte clamando inocência. Alguma coisa que você não ouvia desde...desde...desde os Stones em 69 ? (aquilo existiu mesmo ?)...Dylan em 64 ? (existiu mesmo ?)...Who em 69 ? (mesmo ?)...
Você compra um jornal inglês e primeira leva um puta susto porque tem lá centenas de grupos que você nem sabia que existiam. Mas fica frio (jura não mais comprar a Rolling Stone). Lê que Londres chamava via um grupo chamado The Clash: Mick Jones, Joe Strummer, Paul Simonon e Topper Headon. Todos londrinos "of course".
Lê que eles dizem - e eles são até chatos no seu proselitismo faça-você-mesmo. Você está acostumado a desconfiar e desconfia e eles insistem tanto no pouco que sabem, no muito que pretendem. Você acredita um pouco porque, porra, eles estão como você afinal de contas; tão perdidos e incendiários como você.
Você compra os outros dois discos deles. Não são tão bons, mas você entende tudo melhor: na barricada sonora de "The Clash"; nas guitarras imensas de "Give'em Enough Rope". Você ouve a mesma convicção, a mesma fagulha que você não consegue pegar.
Londres está chamando. Você ouve sem cessar.
Você ouve: "Eu escutava o pessoal do andar de cima / gritando e brigando toda a noite / e esse som foi meu primeiro sentimento /... / eu compro meu superálbum de discoteca / esvazio uma garrafa / e me sinto um pouco livre"... (a bateria é demente; ela costura tudo e segura tudo, até quando aquela linda guitarra faísca e geme tão brava que você enlouquece de desejo).
Você ouve: "Quando baterem na sua porta / como você vai atender ? / Com as mãos na cabeça ? Ou no gatilho de um revólver ?" (você tem medo - baixo, guitarra, bateria ondulam num quase reggae, o som da voz é escuro; aqui há um túnel, um pesadelo).
Você ouve: "Trate-me bem / garota de programa / pó da vida onde não há vida / então, trinca cara, trinca..." (tudo num fuso só, um fuzil só, uma lâmina aguda de voz e eletricidade, tudo nervoso e cocainímico, mas Joe Strummer está rindo. Está rindo, cara, rindo!! E você pula pela sala rindo também).
Você ouve: "De cada porão imundo em cada rua imunda / Eu ouço o som das palmas marcando cada batida / E isto é só a batida do tempo / a batida que nunca passará" (no fim da música Joe Strummer murmura, enquanto duas guitarras fazem a coda mais emocionante que você conhece: "Nós vamos dar trabalho / Nós vamos botar pra quebrar / raise trouble, raise hell").
Você acredita. Lá no meio há uma virada da bateria que poria Keith Moon no céu e Joe Strummer canta como um galo enfurecido. (Além do mais isso aqui é musica de macho).
Confundi vocês, queridos?
E quando você pensa que acabaram os dois lados deste banquete, desta jornada até as profundezas da louca cidade ocidental, do fim do século, deste delírio acordado -
acordadíssimo - deste acesso de lucidez luminosa que não lhe poupa dor e tesão e paixão e prazer, desta desvairada esperança de que o rock'n'roll existe mesmo e que ainda há coisas possíveis a serem feitas enquanto toda esta merda não explodir de vez.
Pois bem, quando você, suado e estafado acha que acabou, não acabou - uma coda majestosa se ergue das sombras do disco (não está escrita na capa, você ainda tem tempo de perceber) e empurra você de volta à rua, àquela rua, a tal por onde você passava um dia achando que talvez não houvesse futuro mesmo.
Alguma coisa quebrou, irremediavelmente, em seu peito.
Você está vivo!!!!
(Ana Maria Bahiana, Som Três nº 19/ano:1980)