Agarrado no sedimento arenoso, onde o rio desembocava no oceano, Lippe, o molusco, abriu gentilmente a sua concha, a fim de sugar água do mar, exatamente como vinha fazendo durante toda a sua vida. Dessa vez, entretanto, a água que corria pelo seu sistema de filtragem deixou um incômodo grão de areia em seu corpo. Ele não o conseguia deslocar. Nada que ele fizesse seria capaz de eliminar aquela partícula de sílica posta em seu corpo. Apesar de o grão de areia não lhe ameaçar a vida, era deveras irritante. O dia do molusco ficou absolutamente arruinado.
Dois dias depois, ficou óbvio que aquele grão de areia tinha se alojado ali, para ficar. Ficara encravado entre a carne mole da ostra e sua concha. O menor movimento de Lippe era suficiente para acentuar a irritação: mais ou menos como uma pedrinha, dentro do sapato, cria uma dor crescente, à medida que se anda.
Todavia, ostras e seres humanos enfrentam irritações, reagindo de maneira bastante diferente. Podemos tirar o sapato e retirar a pedrinha; a ostra não pode desfazer-se de sua concha, a fim de extrair o grão de areia. Por isso mesmo, o Criador proveu a ostra de uma secreção especial cujo nome é nácar. Mais ou menos, como uma aranha, pode expelir material, para armar a sua teia, a ostra pode secretar o nácar, em redor do fator de irritação, a fim de abrandar ao incômodo.
Dotado de um instinto, dado pelo Criador, Lippe formou um cisto protetor, em redor da substância estranha, e foi revertendo sistematicamente o grão de areia, com sua secreção. Isso embotou as arestas cortantes do grão. Mesmo assim, o fragmento de sílica continuava exercendo pressão contra a carne da ostra. Lippe, então, liberou maior quantidade de secreção, envolvendo o grão de areia com uma segunda camada de nácar. Os meses arrastavam-se e se tornaram anos, mas a irritação não se ia. Embora agora o nácar tivesse formado uma proteção arredondada e lisa, e não lhe cortasse mais a carne formara-se uma excrescência interna, de tal volume, que o molusco sentia como se alguém estivesse pressionando um dedo em seu lado.
Lippe sentia-se derrotado. Apesar de todo o seu duro trabalho, o fator de irritação havia aumentado de volume.
Ele estava certo de que aquela imensa excrescência o havia tornado um fenômeno anormal. “Ninguém, jamais, haverá de me querer”, lamuriava-se. Quando o apanhador de ostras lançou a sua caçapa e retirou Lippe de sua incrustação, no sedimento do fundo do mar, não ofereceu resistência. O senso de depressão havia substituído o deleite da vida. E ele costumava pensar: “Haveria algo pior do que esses últimos sete anos de sofrimento?”
Na manhã seguinte, o preparador das ostras cortou o músculo, que mantinha juntas as duas metades da concha, e deixou a ostra escorregar para dentro de uma tigela. A cozinha explodiu com um grito de excitação: “Vejam só o que eu encontrei! É a maior pérola que já vi. Vale uma fortuna!” A maneira como aquela ostra havia trabalhado a causa de sua dor tornara-se fonte de prazer e alegria para outrem.
A pérola é a única gema formada por um organismo vivo, razão pela qual também é a mais frágil de todas as gemas. As pérolas são riscadas com facilidade e começam a dissolver-se quando entram em contato com algum ácido. Outras gemas resultam de sedimentação ou de carbono sujeitos a tremendo calor e pressão, nas entranhas da terra. Apesar de todas as gemas terem muito valor comercial, uma pérola grande e perfeita, que se desenvolveu no interior de uma ostra, sem qualquer manipulação humana, pode chegar a preço mais elevado do que um diamante perfeitamente lapidado.
Nem todas as ostras produzem pérolas: menos de dez por cento delas são produtivas. Usualmente, conseguem livrar-se dos grãos de areia que se alojam em seus sistemas. E, mesmo quando não conseguem desvencilhar-se de algum fator de irritação, algumas ajustam-se à dor. Por semelhante modo, nem todos suportam bem as aflições e os problemas; mas aqueles que conseguem resistir à severidade dos testes têm uma rica oportunidade de produzir, uma pérola.
Os sofrimentos podem produzir mágoas e tristezas ou pérolas de extraordinário valor.
Daniel C. Luz
terça-feira, 22 de abril de 2008
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Um comentário:
Outro dia estava eu em frente ao memorialístico edifício Acaiaca, conhecidíssimo pelos isaciáveis devoradores de ostras(para a tristeza de de nosso grande amigo Lippe)que estendem as manhas de sabado até as 17h. Foi quando percebi minha semelhança com o saboroso molusco, que sente uma irritação avassaladora, destruidora, insuportável com o pequeno grão de areia, na verdade o grão de areia nada mais é que o simples som da voz do "grande molusco" que governa nossos mares, aquela voz rouca pronunciando desatinos, desvarios, loucuras de todo gênero, achando que nós temos o mesmo cérebro de ostra que ele. E como Lippe estamos chegando ao sétimo ano com o grão de arreia a nos irritar, mas como Lippe infelizmente nao fomos dotados de nácar, expelimos suor mesmo na tentativa de abrandar e tentar nos proteger do peso, da ranhuras feitas pelas crises que vêm aumentando, da falta de crescimento, da esmagadora carga tributária. Próximo ano completaremos 07 anos, e como Lippe o que podemos esperar é que um apanhador de ostras internacional nos devore, e pior, que leve a pérola que contruímos com nosso suor durantes esses últimos anos.
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