Você quer comprar coisas bonitas, se embelezar, pois investir em sua
aparência e status lhe parece a solução final de todos os problemas. As
biografias de gente linda, milionária e infeliz, entretanto, não são
difíceis de encontrar. O contrário disto, porém, lhe parece improvável: a
falta de ambição ou vaidade não devem levar ninguém ao paraíso.
Sim,
é complicado. A ideia do mundo capitalista é convencer a todos de que o
dinheiro e a boa aparência, ou qualquer outra forma de poder, são uma
solução permanente e infalível. Ainda que isto só se comprove nas aparências. Para barco que não sabe a qual porto se dirige, nenhum vento é bom.
O psicanalista britânico Adam Phillips, autor de “Monogamia”, afirmou em entrevista dada por ocasião do lançamento do livro: “
A única escolha é ser feliz ou não.
É isso que está sendo vendido como o único programa: quanto prazer você
pode ter, quão feliz pode ser. Só que felicidade pode ser como uma
droga, nunca satisfaz, você quer sempre mais. Há coisas muito mais
importantes que a felicidade: justiça, generosidade, gentileza.”
Li este pequeno parágrafo e achei que valia a pena refletir sobre isto aqui com você.
Parece-me claro que felicidade é um valor, ou sentimento, superestimado.
A ideia da monogamia, dos padrões de relacionamento atuais que discutem
muito mais regras contratuais do que contemplam as singularidades de
cada sentimento a cada momento em cada pessoa. As orientações sexuais se
multiplicam e, paradoxalmente, todos querem entrar em uma definição que
“facilite” as identificações. Não parece haver um estilo de vida que
resolva a vida de todos.
As simplificações que reduzem a
“vida boa” a algo que se pode comprar, ao objeto do desejo para além do
próprio corpo ou consciência, é um perigo. Qual a beleza da
flor que não foi vista? A beleza está na flor ou nos olhos de quem a vê?
E ver, terá a mesma significação de contemplar? Ver não é enxergar.
Como felicidade não é, ou não me parece ser, um estado contínuo de
sentimentos positivos, alegrias e contentamento. Nada pode parecer tão
aprisionador e sufocante quanto um orgasmo, ou epifania.
Isto conduz a uma outra reflexão: quando podemos dizer que somos felizes com alguém?
Quando estamos o tempo todo com aquele ar de quem está de férias na
Polinésia Francesa com tudo grátis em hotéis de seis estrelas?
Quando
somos lindos e jovens, estamos de roupas novas, a saúde está perfeita e
podemos nos entregar indulgentemente a todos os prazeres mundanos? Certo que não, embora não seja de todo má esta ideia.
Fazer
a vida ser boa dá trabalho. Fazer um relacionamento funcionar também. E
trabalho é, por vezes, algo que nos coloca em situações críticas, nos
exaure, nos angustia.
Ajudar alguém, ou servir a algum princípio ou causa que não busca recompensas imediatas pode sim ser gratificante.
É preciso ter a ciência de que, ainda que isto signifique grandeza de
espírito, pode, e deve, contemplar algum sacrifício ou, até mesmo, dor.
Realização e felicidade não moram na mesma casa e nem trabalham no mesmo
período mas, claro, podem fazer parte do mesmo roteiro.
Monogamia
pode ser bom ou ruim. Fidelidade também. Lealdade, por outro lado, é
fundamental para que se faça grande uma história ou sentimento por
alguém. Existem muitas formas de se relacionar. Cada pessoa quer coisas
diferentes ao longo da vida, ou não, mas precisa fazer contato com isso.
E deixar que o alguém que lhe importe também o faça.
Num mundo,
e diante de uma vida, cheio de incertezas, é muito bom que olhemos para
dentro para consultar, de tanto em tanto, quem somos e o que queremos. Escolher um porto e içar velas. Assim poderemos saber se estamos indo bem ou não, na construção de nossa história.
Um
dia desses, no meio de uma consulta com o pediatra, meu filho de quatro
anos que estava meio absorto em suas ideias, me perguntou: “Papai,
quando uma pessoa morre ela não fala mais nada? Quando eu morrer eu não
vou existir mais? Não sobra nada?” Tentando não perder o foco na
consulta, respondi rápido:
“Meu filho, quando as pessoas morrem elas viram histórias. Histórias e estrelas no céu”.
Ele complementou: “E as pessoas que ficam contam a nossa história, não é
papai?”. É, filho. Por isso, temos que escrever uma bem bonita.
Leo Jaime