Estou longe de ser uma patrulheira contra a TV. Assim como há muita bobagem e baixaria, há também muito programa bem-feito, informativo e divertido. Nesse aspecto, não temos do que nos queixar, nossa televisão é bastante diversificada se comparada ao resto do mundo. Se adicionarmos aí o privilégio daqueles que possuem canais por assinatura, já dá pra dizer que só morre de tédio quem quer.
Lembro de um ex-colega que dizia que era fanático por TV e que, quando não estava trabalhando, estava em casa grudado na telinha, que era como ele absorvia o mundo e enriquecia sua vida. Nunca mais ouvi falar dele, e não é de se estranhar.
Tevê não é cultura. Entretém, informa, diverte, mas a cultura está um degrau acima. Se eu estiver forçando a barra em dizer que não é cultura, troco a frase: TV não impacta, não eleva a imaginação, não corrompe fórmulas prontas, não arrisca, não provoca, não incomoda, não arrebata. Quem faz isso é a arte.
Foi o que pensei ao assistir ao espetáculo Quartett, montagem do dramaturgo americano Bob Wilson com a estupenda atriz Isabelle Huppert, que encerrou a programação do Porto Alegre em Cena semana passada. Envolvida pelo que estava vendo, pensava: diacho, como a TV tomou conta das nossas vidas.
Um dia antes, eu havia assistido no cinema a Os Normais 2, que é praticamente um episódio de TV. O filme baseado no meu livro Divã também traz uma estética, um elenco e uma linguagem de TV. Ambos são bons e cumpriram o que se esperava deles, e hoje o que se espera é bilheteria e risadas. Nada contra. Mas isso não pode ser tudo o que se espera de uma obra.
José Alvarenga, que dirigiu os dois filmes, é um profissional competente e odeia quando se fazem essas distinções, e por um lado concordo: se é filmado em película e passa no cinema, é cinema. Mas a TV está no cangote. Assim como ela está no cangote de muito do que se faz em teatro hoje, muito do que se faz em literatura, muito do que se faz em música. A TV é um totem. Sacralizou sua linguagem. E tornou-se tão eficiente quanto uma anestesia geral.
Não só gosto, como respeito a TV. Sem ela, muita gente estaria à deriva, achando que o mundo não vai além da porta da vizinha. Mas a TV não pode ser nossa única ponte com o subjetivo, até porque ela não entende nada de subjetividade. A TV é recreação caseira, não desperta o deslumbre diante daquilo que a gente não explica, apenas sente. Ela não pode, sozinha, fazer nossa cabeça. Na nossa cabeça há espaço para muito mais.
Quartett poderia ser descrita como uma ópera contemporânea que homenageia a musicalidade das palavras, a expressão corporal, a luz, a poesia. É um sonhar acordado, um convite a visitar outra dimensão do amor, da sedução, das relações humanas, essas coisas que a gente vive de forma tão objetiva e, por isso, tanto tropeça. Tivéssemos um olhar mais louco, mais criativo, mais sensorial, mais qualquer coisa que não lembre o comezinho cotidiano, a vida teria mais graça, estilo e mistério.
Quartett foi uma chapação legalizada. A TV é boa, mas não te chapa: consuma com moderação.
Martha Medeiros
Um comentário:
Isso é relativo. Pode-se ter uma TV e assistir a coisas importantes. Pode-se ter uma TV e acoplar uma TV por assinatura; melhor. Pode-se ter uma TV e acoplar um DVD e locar coisas importantes. Pode-se ter uma TV por assinatura e escolher os canais mais instrutivos. Agora, se a TV a que se refere é aquela da GLOBO e Cia., por favor! Aí está uma boa forma de ficar cada vez mais estúpido.
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